sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Paixões de Outono



Apaixonei-me pela chuva, e sinto-me cada vez mais embevedecida em cada pequena gota que se deixa verter pelo vidro fosco. Não sei especificar ou clarificar de forma exacta este meu fascínio pela magia de pequenas gotas de água que descem dos céus, assim como uma pequena dádiva, mas sinto-me envolta numa magia de vida e movimento incomparável. Talvez pela frieza ténue mas vincada das pequenas partículas, talvez pelo cheiro inconfundível e apelativo da terra molhada, ou ainda pelo tom cristalino que a chuva empresta ao cenário, ofuscando-nos a vista com um brilho muito subtil, que, contrariamente ao brilho irradiante do sol, é leve e imperceptível, mas valioso por essa sua raridade. Mas considero que, ainda e acima de tudo, me deixei encantar pelo facto de viver esta chuva apaixonada, de a sentir embranhar-se em mim por entre um abraço quente, de ouvir a sua melodia compassada e regular através do vidro do carro no banco do passageiro, de a sentir escorrer-me pelos lábios intrometendo-se levemente num beijo longo e apaixonado, de a sacudir dos cabelos molhados e embevidos pelas horas de amor à chuva. O amor traz-nos encantos, paixões estranhas. Hoje, por amar tanto, apaixonei-me pela chuva.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

.

"Se eles soubessem como é viver presa nesse inferno que é a nossa cabeça e nosso coração, valorizariam cada sorriso nosso porque só nós sabemos como dói sorrir."

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Dad


"I know sometimes things may not always make sense to you right now
But hey, what daddy always tell you?
Straighten up little soldier
Stiffen up that upper lip
What you crying about?
You got me."


domingo, 12 de setembro de 2010

Amor à pátria

Estes dias o meu subconsciente dirigiu-me para a realidade dos sonhos, essa realidade irreal e metafísica, quase sempre doce e simultaneamente amarga. Tenho sonhado muito, com entes abstractos e entes materiais, com possibilidades utópicas e terras sem nome. Tenho sonhado muito, para me refugiar de uma realidade desencontrada e desconhecida.

Contudo, nenhuma terra sem nome que me aparece nos sonhos tem o sabor doce e puro da minha terra real. Do meu país, verde e fresco, das gentes humildes e hospitaleiras. Amo o meu país e a sua verdade, a realidade que não mente e que oferece as humildes possibilidades de uma vivência tranquila. Venero as suas cidades moderadamente agitadas, com o tráfego dos carros no fim de tarde, com o caminhar apressado dos trabalhadores que escolhem a deslocação apeada, e pelo caminhar vagaroso e tímido de estudantes que regressam a casa. Admiro as suas paisagens incrivelmente belas por serem tão simples, com montanhas saloias e monumentos carregados da história mais rica, bela e envolta em mistério – a história deste Portugal pequeno em dimensão e grandioso na sua evocação e aconchego.

Gosto de acordar por baixo deste céu coberto num clima ameno e pacato, que se adequa numa junção perfeita ao ambiente deste lugar. De caminhar na rua sob a melodia deste idioma irremediavelmente belo e romântico, envolto em poesias melódicas e cheias de ritmo, trespassado pelo sentimentalismo dos grandes poetas. Este idioma da saudade que me faz apaixonar todos os dias, que me leva a mergulhar na riqueza das suas palavras completas e com infinitos significados. É neste idioma que quero escrever eternamente, mesmo que a vida me encaminhe para destinos mais exóticos ou ricos, hei-de reservar sempre para o meu português a doçura das palavras e os textos apaixonados e misteriosos.

Sinto no meu coração o orgulho de pertencer ao país dono da língua da Saudade. O quanto não vale possuir esse vocábulo, essa palavra que tem a riqueza de um tesouro imenso, que transmite em si o que noutros idiomas seria necessário proclamar em longas e numerosas palavras. Gosto de dizer “saudade”, e de me sentir portuguesa. Gosto de sentir a saudade e de me sentir portuguesa. A saudade dos amantes, revertidos ao desgosto, a saudade de beijos lânguidos e intermináveis, de passeios de mão dada banhados pelo brilho etéreo da lua, de noites de amor e de corpos presos por fios de mel invisível. A saudade que o soldado na terra além-mar sente pela família que deixou revertida ao abandono, sob o signo do medo e da preocupação. A saudade da infância ágil e bela, povoada de sonhos e princesas.

Amo o meu país, a sua segurança, o seu ambiente de paz, a sua pobreza irremediável que faz das pessoas mais humanas e perceptíveis aos problemas. Amo o seu vermelho do sangue jorrado, amo o verde da esperança culminados na esfera armilar que simboliza o nosso eterno património. E cada vez que visito um outro lugar desconhecido, sob línguas redondas ou cantaroladas, deixo-me depois deliciar pela incomparável sentimento de regressar ao meu lar, sentimento tão exacerbado que lhe dou o nome pomposo de felicidade.

sábado, 11 de setembro de 2010

Let it burn



Quando te conheci realmente, a ti e ao teu amor completo e absoluto por mim, nunca julguei chegar alguma vez o tão temido dia que nunca queremos ver chegar quando nos atrelamos e entregamos a alguém, entrando de malas e bagagens numa relação que acreditamos piamente ser condutora de um caminho feliz e interminável. Quando te conheci entreguei-te o meu coração partido, e fui-lhe colocando remendos ao mesmo tempo que o curavas com poções e fórmulas que nunca vou saber descodificar, mas que te vou para sempre agradecer. Talvez seja por isso que, no dia em que te entreguei a minha totalidade, no dia em que te deixei entrar devagarinho no meu coração para que vivesses nele como um lar reconfortante e incrivelmente acolhedor, pensei que tinha encontrado, e que a exaustão de prever um fim ou a preparação para o mal que pudesse chegar não seriam mais preocupações minhas. Talvez seja por isso que quando nos encontramos um outro, na plenitude, acreditei que nunca mais ia ter de viver o processo de desgosto amoroso com direito a coração partido e fios invisíveis presos à cara. Mas enganei-me.

Apesar de tudo, é curioso, porque agora não custa tanto, quiçá por ter criado em mim uma capa protectora e incrivelmente defensiva que me preparou e impediu de sofrer de forma tão exaustiva como da última vez que o meu coração se partiu, precisamente da vez em que tu o curaste. Agora, depois de todo esse demorado processo retrospectivo, devo admitir que, feliz ou infelizmente, agora não me custa tanto aceitar e entender, chorar mas perceber, sorrir e reagir. Parece-me agora mais fácil, como se tivesse amadurecido uma dezena de anos no miocárdio, porque este já não bate tão descompassadamente quando as recordações emanam. O que, no seu lado positivo, tem algo de muito produtivo - já não sinto necessidade de te acusar, de sentir a raiva fervilhar. Agora reina apenas a calmaria, a compreensão dos erros que cometi, o assumir da minha quota parte da culpa.

Ainda assim, existe uma pequena parte, a mais dolorosa talvez, que permaneceu aqui, e que não se irá embora assim tão cedo - a saudade. A saudade veio para marcar a sua presença, com o tumulto das recordações e a doçura aniquiladora das memórias. A saudade é o que ainda me permite ser um pouco irracional, querer viver o desgosto, querer sentir-te mesmo sem nunca mais te poder sentir, querer ver-te por entre a névoa, querer ter-te, sem ainda assim desejar que voltes. É a saudade que me faz sentir muito e pensar menos do que desejava. É o teu corpo firme mas frágil, o teu sorriso tímido, os teus olhos enormes e brilhantes, tão absurda e maravilhosamente expressivos, a tua voz ao meu ouvido, a tua respiração leve, as tuas mãos, o teu abraço forte. A saudade leva-me numa viagem angustiante e interminável na qual te encontras num labirinto infinito, na qual me perco por entre sonhos que, agora sei, nunca se irão realizar, entre esperanças que agora se encontram espezinhadas.

Por isso, vou alojar-me durante muito tempo, eu sei, com a saudade, que vai e vem no meu peito para se fazer melhor sentir, mas a minha racionalidade, a frieza e a capa com a qual embrulhei o meu coração exigem-me que seja forte e vanguardista, que caminhe em frente e diga adeus de forma rápida e menos dolorosa. É talvez por isso que me despeço agora de ti, sem grandes demoras ou lamentos. Assim, como quando se arranca um penso com força e rapidez, pode ser que doa menos. Pode ser...


Even though this might ruin you

Let it burn

You gotta let it burn.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Mulheres

Está bem, admitamos que as mulheres são complicadas. Devo admiti-lo, e admito-o agora sem problemas, mesmo pertencendo ao género e correndo o risco de parecer bizarra ao dizê-lo. Mas, convenhamos, a questão é que a complicação da mulher é, na realidade, uma complicação que apenas se transparece para os outros, porque no íntimo da mulher tudo aquilo que ela faz ou diz, mais ou menos complexo, tem um fio condutor e está repleto de sentido. O problema é, talvez, a dificuldade que nós mulheres temos em exteriorizar e expor o difícil fio condutor que percorre todo o nosso raciocínio. Não, não são desculpas nem rodeios, é uma teoria aceitável.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

É preciso...


...cultivar.

O que não nos mata...

Não sei ainda como é que se apaga o sofrimento depois de um grande erro e se ergue a cabeça em tom de sorriso para a vida. Não sei, mas anseio por saber qual o verdadeiro truque, a verdadeira fórmula para reagir depois de cair. Depois do erro, do desespero, do fracasso, da caixa de lenços, do choro que sufoca a alma e retira sentido à vida. Depois de uma tempestade devastadora que varre tudo, de um furacão arrebatador, como é que se apanha os cacos, ou, melhor dizendo, como é que se ganha forças para sair da cama e ver finalmente a luz do sol?
A fórmula não existe ainda, não pelo menos de forma única e rotulada, como um fácil acesso e remédio ao qual toda a gente tem acesso. O que existe apenas são pequenos antídotos residentes dentro de cada um de nós, com variantes, ingredientes e formas de utilização diferentes, porque na realidade para diferentes males, diferentes remédios.
Uns permanecem no estado vegetativo durante algum tempo, a tentar inventar mais horas de sono e a reproduzir cansaço que lhes impeça de estar conscientes para se lembrarem da verdade, do mal, da dor. Permanecem por ali, como pequenos corpos mortos que se agarram à vida apenas porque tem de ser. Outros saem da cama porque são literalmente arrancados por ente-queridos preocupados, carregados de um olhar de pena que faz qualquer um sentir-se do tamanha de uma formiga. Há ainda os mais positivos, que erguem a cabeça altivamente, impedindo que o mundo os perfure ou julgue, e encontram uma saída mais ou menos confortável que lhes impeça de pensar, sofrer ou até mesmo sentir: um novo desporto, um corpo, um vício, uma viagem, um livro, uma ocupação, um trabalho. Tudo serve como boa desculpa quando a finalidade é curar a alma, o coração e a mente.
De todos estes antídotos, de todas as possíveis fórmulas existentes para aniquilar o sofrimento, a minha permanece ainda escondida num baú por encontrar, nas profundidades de um oceano qualquer. Ainda permaneço na escuridão, a espezinhar-me por tudo e por tudo, a culpar cada bocado do meu erro, a tentar esconder-me totalmente do que sou e que não quero ser. Anseio por uma possível resolução, um calmante para a alma, que me faça renascer, com força e vivacidade. Que me impeça de cair. Porque o que não nos mata torna-nos mais fortes, mas só o que não nos mata...

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Recordar(-te)



Sabes, é estranho, estar a escrever para ti depois de tanto tempo de esforço e dedicação a tentar manter-te enclausurado numa gaveta qualquer, algures entre o coração e a mente, onde se arquivam todas as memórias, bem nítidas em mim como ferros acesos. É estranha esta nova sensação de paz interior, de conseguir pensar em ti e recordar-te com um leve sorriso e uma gratidão despojada por tudo aquilo que me conseguiste dar. Pensar em ti, recordar-te, tem um sabor e um sentido totalmente novo e já me sinto capaz de o fazer sem me sentir acompanhada por uma enorme tristeza seguida de um cansaço monstruoso que tem como consequência imediata uma imensidão de lágrimas que me deixavam a cara feita num bolo. Agora já não, já existe paz, conforto e clareza no meu coração, e é talvez por isso que te escrevo agora, depois de tanto tempo de negação.
A questão é o porquê de te escrever, e para te responder utilizo um argumento nem sempre claro ou compreensível: sinto falta de falar, desabafar e me alongar com alguém da forma que fazia contigo, porque nunca ninguém me entendeu como tu, com a tua compreensão nata, e o conhecimento profundo que tinhas de mim. Falar contigo era como me encontrar em frente a um espelho, uma voz simultânea de consciência, um perfeito espaço e tempo para me encontrar a mim mesma. A nossa confiança era colossal, nata, natural e espontânea, e sei que eras tantas vezes o meu melhor amigo, muito mais do que amante ou amado. É por isso que hoje te escrevo, para partilhar contigo esta minha paz e, mentiria se não o confessasse, a ainda alguma saudade que resistiu.
Não sei se és feliz agora, se o tempo te trouxe a tal felicidade e adrenalina que sempre procuraste na vida, e se o sorriso e a gargalhada perante tudo ainda são o teu grande remédio para curar as tristezas. Eu sou uma pessoa renovada e diferente, mais crescida e independente, acredito. Já não espero nada com sofreguidão, aceito tudo com gratidão e luto para alcançar os meus grandes sonhos e objectivos. Já não sou tão idealista, sonhadora, sempre à espera de atingir um limiar quase impossível e inexistente, sempre a acreditar que a vida pode e deve ser como nos contos de fadas, que é realidade é pintada em marca de água pelo sonho. Já não exijo dos outros aquilo que eles não podem, não conseguem ou não querem ser, algo que fiz contigo e que te afastou para sempre de mim. Agora sinto-me mais térrea, madura, o que obviamente também me traz alguma amargura e uma menor capacidade para sonhar, mas acho que os contras são bem menores quando comparados aos prós da minha mudança. Gostava que estivesses aqui agora, para poderes partilhar e orgulhar-te da nova pessoa que sou, criada e transformada à luz de muito tempo de sofrimento e escuridão, que lentamente se foram clareando. Hoje conheço um mundo diferente, e gostava que estivesses aqui para ver esse mundo comigo, e para que entendesses que nem sempre a vida é um monstro tão hediondo, para que pudesses finalmente reconhecer que não tens que ser fruto de uma infância difícil, que podes ser diferente, que podes ultrapassar e conseguir.
Sou feliz, mas no que diz respeito ao amor ainda estou a tentar entender todas as certezas que me foram retiradas quando te foste embora. Como sabes tenho agora um novo amor, completo e profundo, uma relação que se pode considerar de sonho, um príncipe que me eleva à mais altiva condição de princesa, que me oferece sonhos, flores e doses intermináveis de mel. Como vês, tudo o que sempre quis e tudo o que sempre exigi de ti, acusando-te tantas vezes de falta de romantismo, já que nunca entendi ou aprendi a respeitar-te, a respeitar a concha na qual te fechavas para proteger a tua ferida eterna, a tua incapacidade de dar. Este novo amor é completo em tudo, e coloca-me como prioridade em tudo o que é ou faz, e digo sinceramente que sou feliz. Mas mentiria se dissesse que às vezes ainda não sei amar, ainda não sei aceitar que é possível alguém me amar com tanta totalidade e verdade, ainda não consigo viver na plenitude algo tão bom, porque parece bom demais para ser verdade. Às vezes ainda me apareces nos sonhos, e fico muito zangada contigo por perturbares a minha paz e a minha nova vida e por manipulares o meu sub-consciente, mas depois acabo por te resignar à condição de recordação e acabo invariavelmente por aceitar que aquilo que nos marca jamais desaparece. É isto que repito a mim mesma quando às vezes dou por mim a tocar-lhe na pele e a compará-la com a tua, a sentir falta do teu corpo esguio e magro, do teu cheiro leve e perfumado, da tua gargalhada estridente. Sei que ele ainda não me conhece como tu conhecias, que às vezes não sabe o que fazer ou dizer e que não entende muitas partes de mim, mas reconheço que tenho de dar tempo ao tempo, espaço e tudo o que o merece e que tenho de aceitar a tua ausência como algo de bom, porque realmente o é.
Só espero no meu mais profundo íntimo que estejas feliz, que a vida te ajude e ensine a dar, que possas curar essa ferida que te impede de amares na plenitude, de seres feliz, de conseguires amar sem medo de cair. E lembra-te que o céu é o limite e não exige meta que não possas atingir, que deves perseguir o teu sonho até ao fim. Eu vou perseguir os meus, e levo-te para sempre num canto da minha bagagem.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

As palavras



Há muito que abandonei a minha vontade de escrever, pondo-a de lado como uma segunda pele que podemos retirar. Mas, na realidade, tenho saudade das palavras, uma saudade que corrompe e vai e volta para se fazer melhor sentir, para me relembrar que sou aquilo que escrevo e sem as palavras remeto-me a um vazio absoluto e letal. Preciso de escrever, preciso de me ler e mergulhar em cada sílaba desenhada na curva de um desabafo, sorvendo numa frase a vida de um suspiro que nasce, e morre na dureza do ponto final.

Sinto-me desaguar, despojada já de tudo, e regresso à escrita porque sei que é o meu ponto de abrigo das horas mais destrutivas e sós. Ao encarar a máxima que afirma que todos os escritores e poetas são tristes, procurei recusá-la, e, ao ver a sua realidade absoluta e inalterável, procurei fugir às palavras. Procurei, de um modo quase forçado e violento, fugir à minha poesia. Mas não consegui, e tenho agora de admitir a minha tristeza, a mesma tristeza que inspira todos os escritores. A tristeza e o amor, as duas grandes forças que fazem jorrar e sorver palavras no papel branco, letras em bancos de jardim, e poemas rasgados num pedaço pequeno de uma folha.

Resumo-me assim em cada letra que escrevo, inspirada na minha tristeza, ou no amor, que no fundo terminam sempre por ser a mesma realidade, inseparáveis e ligados por uma relação de simbiose.

Por vezes, quando me leio, a dor que me carrega o peito, a mesma que me inspira e me sofuca, parece mais leve, como que arrancada do miocárdio e transposta para sempre nas palavras que escrevi, transposta para uma história que pode nem ser minha. Gosto de me ler, mais do que o acto que se lhe antecede - o escrever. Talvez porque a escrita é o desabafo, mas a leitura de cada pedaço de mim retira-me os sentimentos e deixa-os presos nas palavras, agarrados, impedindo-os de regressar ao meu coração já fraco.

Procuro, numa busca incessante, palavras novas para inserir nos meus longos desabafos, tantas vezes incooerentes, sem lógica visível, apenas pequenos pontos vagueantes no papel, que se conjugam numa dança de harmonia. E há tantas palavras que me perco no meio delas. Tantas sílabas, letras, ditongos, que nascem em todo lado, numa presença universal e víscera. Nascem no inesperado momento, no barulho ensurdecedor ou no mais esmagador silêncio. Palavras livres e transparentes, palavras de mel ou de cal, florescidas no mel invisível que une corpos de amantes, feitos um só ser. Palavras pintadas em aguarelas de mil cores, ou na escuridão de uma pintura negra e fechada em si mesma. Reconheço-me em todas elas, nasço e renasço no seu som. Nas mais livres e espontâneas pinto os meus ideais vincados, os meus sonhos e quimeras, enquanto que nas mais recolhidas e acorrentadas revejo o meu coração enclausurado e sanguinolento. Nas palavras mais doces e de mel, visualizo a minha infância ágil e feliz, enquanto nas amargas choro o sabor cruo das ilusões despedaçadas, da dor pesada e incessante de uma despedida.

Vão escorregando, assim, no papel, estas palavras. Talvez melancólicas no seu sentido, extensas na forma e indefiníveis no imenso valor. São minhas, como pequenos tesouros que guardo num imensurável baú. Vou agora, ler-me. Entregar ao papel a imensidão de sensações que me arrebatam. Porque, na realidade, é no papel que elas voam, livres, proliferando um imenso e eterno eco.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Não há amor, há provas de amor

Não acredito na singularidade dos sentimentos nem na sua existência individual.
Não há amor, há provas de amor. Há momentos de amor tão profundos e vísceros que se tornam impossíveis de explicar ou decifrar pela sua imensidão. Mas são esses momentos que criam a ilusão de existir o amor, embora ele não exista sozinho, embora ele não seja nada sem provas, gestos, momentos. São eles que provocam a existência do amor como um todo maior e enigmático. Não se ama porque se sente amor, ama-se pela felicidade proporcionada, pela cumplicidade vivida, pela amizade partilhada, pelos fluídos trocados, pela admiração, pelo orgulho... É a conjugação de uma série de emoções, de provas de amor, que criam a ilusão da existência do amor. Mas ele não existe, pelo menos não sozinho.

Amor-próprio


Era só mais uma conversa, um diálogo entre tantos outros que conjugava frases com silêncios, palavras fragmentadas, olhares e expressões faciais. Gostava de ficar ali a adivinhar-lhe pensamentos, e no meio do assunto eis que lhe surge a frase "não sei se quero chegar a velho".
A velhice, um assunto que, na condição de jovem, não faz parte dos meus mais sistemáticos pensamentos (ou, pelo menos, não o deveria fazer). Contudo, aquela frase dita à luz da reflexão, persistiu na minha mente como um fantasma.
Gostava de não sentir pena, porque a pena é quase tão dura como a indiferença, mas sinto-a inevitavelmente quando num ímpeto vejo um idoso sentado num banco de jardim, acompanhado da solidão, quase fundido nela. O seu olhar baila entre o vazio de quem sabe tudo e simultaneamente não conhece nada. Os ossos são penosamente castigados pelo reumatismo, e não sabem se hão-de temer a morte e o seu mistério, ou desejá-la ardentemente como derradeira cura para o mais ínfimo mal ou debilidade.
Se pudesse curá-los do mal de viver perto da meta da vida, não lhes daria um livro intitulado estupidamente "Como viver bem aos 40 ou aos 80". A única cura para o medo do fim é não ter medo, é viver intensamente cada dia e cada quimera. Porque quando já nada resta, temos e teremos sempre o nosso amor-próprio.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Irracionalidades



Tento compreender se alguma vez conseguirei enumerar quantas vezes afoguei em ti o meu rosto, deixando que o teu cheiro penetrasse e se entranhasse nas minhas narinas, para depois ser inalado por todo o corpo, vagueando das veias ao coração, como uma droga cujo efeito é permanente e devastador. Cada vez que te abraço com tamanha intensidade consigo entender a dimensão de um sentimento aparentemente simples, embora não a consiga precisar, medir ou quantificar. Na realidade, não pretendo quantificar o amor, porque sei que seria incapaz e duvido que haja humano capaz de tornar mensurável o desmedido.
Compreendo que o amor me tornou um pouco irracional, perdendo o equilíbrio mais vezes do que gostaria, abandonando-me à mercê das imposições do coração. Não posso afirmar que seja característica peculiar do amor a falta de equilíbrio, mas acredito que é um sentimento de extremos, onde nada está próximo de um eixo, onde nada é vivido em regularidades ou rotinas - desse modo não seria amor, mas hábito. Onde o desejo nunca vive isolado e nunca é tido como sentimento único - nesse caso não seria amor, mas tesão ou atracção. Onde a companhia se faz acompanhar pela admiração e pelo fervor interior - doutro modo não seria amor, mas sim amizade ou companheirismo.
Não pretendo que o que escrevo para ti se torne uma longa e pormenorizada - embora pouco exacta - definição de amor, mas acabo sempre por me reverter a isso sempre que tento inspirar-me em ti. Talvez porque não consigo (e julgo que nunca irei conseguir) descrever o que vejo em ti, porque tudo o que vejo é uma imensidão de entes, desígnos, emoções... Na realidade, consigo ver milhares de coisas onde sei que todas as outras pessoas vêem apenas uma - embora com variantes. Às vezes os teus olhos são estrelas, pequenas e brilhantes, como uma réstia de esperança que abata uma pluralidade de problemas; outras vezes vejo neles um mar imenso e desmedido, repleto de possibilidades e sonhos eternos. Por vezes vejo nos teus lábios ruas de uma liberdade tão natural e instintiva que acabo por duvidar que os possa tocar e viver tantas vezes; outras reconheço neles a familiaridade de quem volta a casa depois de uma viagem infinita e extenuante. Mas é nos teus braços que reconheço uma maior variedade de significados, embora todas se encaminhem para um significado maioritário: cada vez que te abraço sinto uma tranquilidade tão evidente, tão víscera, que parece ter vivido sempre em mim, ao mesmo tempo que estranho um sentimento gratuito tão colossal e genuino.
Tudo para dizer que me fazes feliz, mesmo quando a noite vai longa e as horas passam por mim com uma lentidão inconcebível. Reconheço nos teus olhos uma diferença que te torna único, e sempre te tornou, como uma singularidade num mundo que parece ser reproduzido por módulos. Em ti não existem preocupações ordinárias que ocupam a cabeça de milhares de pessoas, porque sabes ver no mundo a importância e inevitabilidade do que é realmente essencial, e talvez seja por isso que encaras o quotidiano com uma gargalhada estridente capaz de encher o maior vazio. Quando dou por mim a tentar decifrar as razões do meu amor por ti, sorrio e entendo a ridicularidade da questão: o amor tem razões que a razão desconhece, e a profundidade do que és há muito que ultrapassa o que é real, há muito que me leva a dizer que te amo.

domingo, 19 de julho de 2009

Dualidade realidade e sonho

O impacto das desilusões trouxe-me o olhar à espreita, a desconfiança e, de um modo víscero e intemporal, o medo. Mas nunca foi o suficiente para me levar os sonhos. Esses residem em mim com uma consistência incrível, uma consistência que não encontro em mais nada (talvez porque o lado lunático que sempre me acompanha me impossibilite de sobrepôr a razão ao sentimento). Os sonhos trago-os comigo entranhados em tudo o que sou e represento - no meu corpo, na minha cabeça e no meu coração. Estou sempre a construí-los (para alguns estou a desenhar o projecto, num traço firme e assertivo, para outros já sobreponho tijolos, numa certeza mais plena, mais certa, mais segura). Às vezes quero apenas afastá-los, quando a minha cabeça convence o coração, numa batalha sem tréguas, de que sonhos resultam sempre em desilusões. Mas não consigo, porque me convenci, num certo ponto que não sei precisar, de que para quem vive a sonhar é mais fácil viver.

Os meus sonhos constituem quase sempre um romance clássico e emocionante, e é por eles que a minha definição de amor jamais poderá equiparar-se à realidade. São sonhos cheios e sem limite, uns mais surrealistas, outros quase possíveis de acontecer.
Castelos no ar, príncipes a cavalo e o meu coração um eterno viajante, são os protagonistas de histórias criadas por mim. Vou apagando, dia após dia, a linha que limita o sonho e a realidade, tornando-a tão ténue que receio misturar o real ao irreal. E, ainda que o sonho seja doce e interminável, só a realidade me pode trazer o teu amor feito de açúcar.