quarta-feira, 22 de julho de 2009

Não há amor, há provas de amor

Não acredito na singularidade dos sentimentos nem na sua existência individual.
Não há amor, há provas de amor. Há momentos de amor tão profundos e vísceros que se tornam impossíveis de explicar ou decifrar pela sua imensidão. Mas são esses momentos que criam a ilusão de existir o amor, embora ele não exista sozinho, embora ele não seja nada sem provas, gestos, momentos. São eles que provocam a existência do amor como um todo maior e enigmático. Não se ama porque se sente amor, ama-se pela felicidade proporcionada, pela cumplicidade vivida, pela amizade partilhada, pelos fluídos trocados, pela admiração, pelo orgulho... É a conjugação de uma série de emoções, de provas de amor, que criam a ilusão da existência do amor. Mas ele não existe, pelo menos não sozinho.

Amor-próprio


Era só mais uma conversa, um diálogo entre tantos outros que conjugava frases com silêncios, palavras fragmentadas, olhares e expressões faciais. Gostava de ficar ali a adivinhar-lhe pensamentos, e no meio do assunto eis que lhe surge a frase "não sei se quero chegar a velho".
A velhice, um assunto que, na condição de jovem, não faz parte dos meus mais sistemáticos pensamentos (ou, pelo menos, não o deveria fazer). Contudo, aquela frase dita à luz da reflexão, persistiu na minha mente como um fantasma.
Gostava de não sentir pena, porque a pena é quase tão dura como a indiferença, mas sinto-a inevitavelmente quando num ímpeto vejo um idoso sentado num banco de jardim, acompanhado da solidão, quase fundido nela. O seu olhar baila entre o vazio de quem sabe tudo e simultaneamente não conhece nada. Os ossos são penosamente castigados pelo reumatismo, e não sabem se hão-de temer a morte e o seu mistério, ou desejá-la ardentemente como derradeira cura para o mais ínfimo mal ou debilidade.
Se pudesse curá-los do mal de viver perto da meta da vida, não lhes daria um livro intitulado estupidamente "Como viver bem aos 40 ou aos 80". A única cura para o medo do fim é não ter medo, é viver intensamente cada dia e cada quimera. Porque quando já nada resta, temos e teremos sempre o nosso amor-próprio.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Irracionalidades



Tento compreender se alguma vez conseguirei enumerar quantas vezes afoguei em ti o meu rosto, deixando que o teu cheiro penetrasse e se entranhasse nas minhas narinas, para depois ser inalado por todo o corpo, vagueando das veias ao coração, como uma droga cujo efeito é permanente e devastador. Cada vez que te abraço com tamanha intensidade consigo entender a dimensão de um sentimento aparentemente simples, embora não a consiga precisar, medir ou quantificar. Na realidade, não pretendo quantificar o amor, porque sei que seria incapaz e duvido que haja humano capaz de tornar mensurável o desmedido.
Compreendo que o amor me tornou um pouco irracional, perdendo o equilíbrio mais vezes do que gostaria, abandonando-me à mercê das imposições do coração. Não posso afirmar que seja característica peculiar do amor a falta de equilíbrio, mas acredito que é um sentimento de extremos, onde nada está próximo de um eixo, onde nada é vivido em regularidades ou rotinas - desse modo não seria amor, mas hábito. Onde o desejo nunca vive isolado e nunca é tido como sentimento único - nesse caso não seria amor, mas tesão ou atracção. Onde a companhia se faz acompanhar pela admiração e pelo fervor interior - doutro modo não seria amor, mas sim amizade ou companheirismo.
Não pretendo que o que escrevo para ti se torne uma longa e pormenorizada - embora pouco exacta - definição de amor, mas acabo sempre por me reverter a isso sempre que tento inspirar-me em ti. Talvez porque não consigo (e julgo que nunca irei conseguir) descrever o que vejo em ti, porque tudo o que vejo é uma imensidão de entes, desígnos, emoções... Na realidade, consigo ver milhares de coisas onde sei que todas as outras pessoas vêem apenas uma - embora com variantes. Às vezes os teus olhos são estrelas, pequenas e brilhantes, como uma réstia de esperança que abata uma pluralidade de problemas; outras vezes vejo neles um mar imenso e desmedido, repleto de possibilidades e sonhos eternos. Por vezes vejo nos teus lábios ruas de uma liberdade tão natural e instintiva que acabo por duvidar que os possa tocar e viver tantas vezes; outras reconheço neles a familiaridade de quem volta a casa depois de uma viagem infinita e extenuante. Mas é nos teus braços que reconheço uma maior variedade de significados, embora todas se encaminhem para um significado maioritário: cada vez que te abraço sinto uma tranquilidade tão evidente, tão víscera, que parece ter vivido sempre em mim, ao mesmo tempo que estranho um sentimento gratuito tão colossal e genuino.
Tudo para dizer que me fazes feliz, mesmo quando a noite vai longa e as horas passam por mim com uma lentidão inconcebível. Reconheço nos teus olhos uma diferença que te torna único, e sempre te tornou, como uma singularidade num mundo que parece ser reproduzido por módulos. Em ti não existem preocupações ordinárias que ocupam a cabeça de milhares de pessoas, porque sabes ver no mundo a importância e inevitabilidade do que é realmente essencial, e talvez seja por isso que encaras o quotidiano com uma gargalhada estridente capaz de encher o maior vazio. Quando dou por mim a tentar decifrar as razões do meu amor por ti, sorrio e entendo a ridicularidade da questão: o amor tem razões que a razão desconhece, e a profundidade do que és há muito que ultrapassa o que é real, há muito que me leva a dizer que te amo.

domingo, 19 de julho de 2009

Dualidade realidade e sonho

O impacto das desilusões trouxe-me o olhar à espreita, a desconfiança e, de um modo víscero e intemporal, o medo. Mas nunca foi o suficiente para me levar os sonhos. Esses residem em mim com uma consistência incrível, uma consistência que não encontro em mais nada (talvez porque o lado lunático que sempre me acompanha me impossibilite de sobrepôr a razão ao sentimento). Os sonhos trago-os comigo entranhados em tudo o que sou e represento - no meu corpo, na minha cabeça e no meu coração. Estou sempre a construí-los (para alguns estou a desenhar o projecto, num traço firme e assertivo, para outros já sobreponho tijolos, numa certeza mais plena, mais certa, mais segura). Às vezes quero apenas afastá-los, quando a minha cabeça convence o coração, numa batalha sem tréguas, de que sonhos resultam sempre em desilusões. Mas não consigo, porque me convenci, num certo ponto que não sei precisar, de que para quem vive a sonhar é mais fácil viver.

Os meus sonhos constituem quase sempre um romance clássico e emocionante, e é por eles que a minha definição de amor jamais poderá equiparar-se à realidade. São sonhos cheios e sem limite, uns mais surrealistas, outros quase possíveis de acontecer.
Castelos no ar, príncipes a cavalo e o meu coração um eterno viajante, são os protagonistas de histórias criadas por mim. Vou apagando, dia após dia, a linha que limita o sonho e a realidade, tornando-a tão ténue que receio misturar o real ao irreal. E, ainda que o sonho seja doce e interminável, só a realidade me pode trazer o teu amor feito de açúcar.