terça-feira, 21 de julho de 2009

Irracionalidades



Tento compreender se alguma vez conseguirei enumerar quantas vezes afoguei em ti o meu rosto, deixando que o teu cheiro penetrasse e se entranhasse nas minhas narinas, para depois ser inalado por todo o corpo, vagueando das veias ao coração, como uma droga cujo efeito é permanente e devastador. Cada vez que te abraço com tamanha intensidade consigo entender a dimensão de um sentimento aparentemente simples, embora não a consiga precisar, medir ou quantificar. Na realidade, não pretendo quantificar o amor, porque sei que seria incapaz e duvido que haja humano capaz de tornar mensurável o desmedido.
Compreendo que o amor me tornou um pouco irracional, perdendo o equilíbrio mais vezes do que gostaria, abandonando-me à mercê das imposições do coração. Não posso afirmar que seja característica peculiar do amor a falta de equilíbrio, mas acredito que é um sentimento de extremos, onde nada está próximo de um eixo, onde nada é vivido em regularidades ou rotinas - desse modo não seria amor, mas hábito. Onde o desejo nunca vive isolado e nunca é tido como sentimento único - nesse caso não seria amor, mas tesão ou atracção. Onde a companhia se faz acompanhar pela admiração e pelo fervor interior - doutro modo não seria amor, mas sim amizade ou companheirismo.
Não pretendo que o que escrevo para ti se torne uma longa e pormenorizada - embora pouco exacta - definição de amor, mas acabo sempre por me reverter a isso sempre que tento inspirar-me em ti. Talvez porque não consigo (e julgo que nunca irei conseguir) descrever o que vejo em ti, porque tudo o que vejo é uma imensidão de entes, desígnos, emoções... Na realidade, consigo ver milhares de coisas onde sei que todas as outras pessoas vêem apenas uma - embora com variantes. Às vezes os teus olhos são estrelas, pequenas e brilhantes, como uma réstia de esperança que abata uma pluralidade de problemas; outras vezes vejo neles um mar imenso e desmedido, repleto de possibilidades e sonhos eternos. Por vezes vejo nos teus lábios ruas de uma liberdade tão natural e instintiva que acabo por duvidar que os possa tocar e viver tantas vezes; outras reconheço neles a familiaridade de quem volta a casa depois de uma viagem infinita e extenuante. Mas é nos teus braços que reconheço uma maior variedade de significados, embora todas se encaminhem para um significado maioritário: cada vez que te abraço sinto uma tranquilidade tão evidente, tão víscera, que parece ter vivido sempre em mim, ao mesmo tempo que estranho um sentimento gratuito tão colossal e genuino.
Tudo para dizer que me fazes feliz, mesmo quando a noite vai longa e as horas passam por mim com uma lentidão inconcebível. Reconheço nos teus olhos uma diferença que te torna único, e sempre te tornou, como uma singularidade num mundo que parece ser reproduzido por módulos. Em ti não existem preocupações ordinárias que ocupam a cabeça de milhares de pessoas, porque sabes ver no mundo a importância e inevitabilidade do que é realmente essencial, e talvez seja por isso que encaras o quotidiano com uma gargalhada estridente capaz de encher o maior vazio. Quando dou por mim a tentar decifrar as razões do meu amor por ti, sorrio e entendo a ridicularidade da questão: o amor tem razões que a razão desconhece, e a profundidade do que és há muito que ultrapassa o que é real, há muito que me leva a dizer que te amo.