quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Recordar(-te)



Sabes, é estranho, estar a escrever para ti depois de tanto tempo de esforço e dedicação a tentar manter-te enclausurado numa gaveta qualquer, algures entre o coração e a mente, onde se arquivam todas as memórias, bem nítidas em mim como ferros acesos. É estranha esta nova sensação de paz interior, de conseguir pensar em ti e recordar-te com um leve sorriso e uma gratidão despojada por tudo aquilo que me conseguiste dar. Pensar em ti, recordar-te, tem um sabor e um sentido totalmente novo e já me sinto capaz de o fazer sem me sentir acompanhada por uma enorme tristeza seguida de um cansaço monstruoso que tem como consequência imediata uma imensidão de lágrimas que me deixavam a cara feita num bolo. Agora já não, já existe paz, conforto e clareza no meu coração, e é talvez por isso que te escrevo agora, depois de tanto tempo de negação.
A questão é o porquê de te escrever, e para te responder utilizo um argumento nem sempre claro ou compreensível: sinto falta de falar, desabafar e me alongar com alguém da forma que fazia contigo, porque nunca ninguém me entendeu como tu, com a tua compreensão nata, e o conhecimento profundo que tinhas de mim. Falar contigo era como me encontrar em frente a um espelho, uma voz simultânea de consciência, um perfeito espaço e tempo para me encontrar a mim mesma. A nossa confiança era colossal, nata, natural e espontânea, e sei que eras tantas vezes o meu melhor amigo, muito mais do que amante ou amado. É por isso que hoje te escrevo, para partilhar contigo esta minha paz e, mentiria se não o confessasse, a ainda alguma saudade que resistiu.
Não sei se és feliz agora, se o tempo te trouxe a tal felicidade e adrenalina que sempre procuraste na vida, e se o sorriso e a gargalhada perante tudo ainda são o teu grande remédio para curar as tristezas. Eu sou uma pessoa renovada e diferente, mais crescida e independente, acredito. Já não espero nada com sofreguidão, aceito tudo com gratidão e luto para alcançar os meus grandes sonhos e objectivos. Já não sou tão idealista, sonhadora, sempre à espera de atingir um limiar quase impossível e inexistente, sempre a acreditar que a vida pode e deve ser como nos contos de fadas, que é realidade é pintada em marca de água pelo sonho. Já não exijo dos outros aquilo que eles não podem, não conseguem ou não querem ser, algo que fiz contigo e que te afastou para sempre de mim. Agora sinto-me mais térrea, madura, o que obviamente também me traz alguma amargura e uma menor capacidade para sonhar, mas acho que os contras são bem menores quando comparados aos prós da minha mudança. Gostava que estivesses aqui agora, para poderes partilhar e orgulhar-te da nova pessoa que sou, criada e transformada à luz de muito tempo de sofrimento e escuridão, que lentamente se foram clareando. Hoje conheço um mundo diferente, e gostava que estivesses aqui para ver esse mundo comigo, e para que entendesses que nem sempre a vida é um monstro tão hediondo, para que pudesses finalmente reconhecer que não tens que ser fruto de uma infância difícil, que podes ser diferente, que podes ultrapassar e conseguir.
Sou feliz, mas no que diz respeito ao amor ainda estou a tentar entender todas as certezas que me foram retiradas quando te foste embora. Como sabes tenho agora um novo amor, completo e profundo, uma relação que se pode considerar de sonho, um príncipe que me eleva à mais altiva condição de princesa, que me oferece sonhos, flores e doses intermináveis de mel. Como vês, tudo o que sempre quis e tudo o que sempre exigi de ti, acusando-te tantas vezes de falta de romantismo, já que nunca entendi ou aprendi a respeitar-te, a respeitar a concha na qual te fechavas para proteger a tua ferida eterna, a tua incapacidade de dar. Este novo amor é completo em tudo, e coloca-me como prioridade em tudo o que é ou faz, e digo sinceramente que sou feliz. Mas mentiria se dissesse que às vezes ainda não sei amar, ainda não sei aceitar que é possível alguém me amar com tanta totalidade e verdade, ainda não consigo viver na plenitude algo tão bom, porque parece bom demais para ser verdade. Às vezes ainda me apareces nos sonhos, e fico muito zangada contigo por perturbares a minha paz e a minha nova vida e por manipulares o meu sub-consciente, mas depois acabo por te resignar à condição de recordação e acabo invariavelmente por aceitar que aquilo que nos marca jamais desaparece. É isto que repito a mim mesma quando às vezes dou por mim a tocar-lhe na pele e a compará-la com a tua, a sentir falta do teu corpo esguio e magro, do teu cheiro leve e perfumado, da tua gargalhada estridente. Sei que ele ainda não me conhece como tu conhecias, que às vezes não sabe o que fazer ou dizer e que não entende muitas partes de mim, mas reconheço que tenho de dar tempo ao tempo, espaço e tudo o que o merece e que tenho de aceitar a tua ausência como algo de bom, porque realmente o é.
Só espero no meu mais profundo íntimo que estejas feliz, que a vida te ajude e ensine a dar, que possas curar essa ferida que te impede de amares na plenitude, de seres feliz, de conseguires amar sem medo de cair. E lembra-te que o céu é o limite e não exige meta que não possas atingir, que deves perseguir o teu sonho até ao fim. Eu vou perseguir os meus, e levo-te para sempre num canto da minha bagagem.

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