quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

As palavras



Há muito que abandonei a minha vontade de escrever, pondo-a de lado como uma segunda pele que podemos retirar. Mas, na realidade, tenho saudade das palavras, uma saudade que corrompe e vai e volta para se fazer melhor sentir, para me relembrar que sou aquilo que escrevo e sem as palavras remeto-me a um vazio absoluto e letal. Preciso de escrever, preciso de me ler e mergulhar em cada sílaba desenhada na curva de um desabafo, sorvendo numa frase a vida de um suspiro que nasce, e morre na dureza do ponto final.

Sinto-me desaguar, despojada já de tudo, e regresso à escrita porque sei que é o meu ponto de abrigo das horas mais destrutivas e sós. Ao encarar a máxima que afirma que todos os escritores e poetas são tristes, procurei recusá-la, e, ao ver a sua realidade absoluta e inalterável, procurei fugir às palavras. Procurei, de um modo quase forçado e violento, fugir à minha poesia. Mas não consegui, e tenho agora de admitir a minha tristeza, a mesma tristeza que inspira todos os escritores. A tristeza e o amor, as duas grandes forças que fazem jorrar e sorver palavras no papel branco, letras em bancos de jardim, e poemas rasgados num pedaço pequeno de uma folha.

Resumo-me assim em cada letra que escrevo, inspirada na minha tristeza, ou no amor, que no fundo terminam sempre por ser a mesma realidade, inseparáveis e ligados por uma relação de simbiose.

Por vezes, quando me leio, a dor que me carrega o peito, a mesma que me inspira e me sofuca, parece mais leve, como que arrancada do miocárdio e transposta para sempre nas palavras que escrevi, transposta para uma história que pode nem ser minha. Gosto de me ler, mais do que o acto que se lhe antecede - o escrever. Talvez porque a escrita é o desabafo, mas a leitura de cada pedaço de mim retira-me os sentimentos e deixa-os presos nas palavras, agarrados, impedindo-os de regressar ao meu coração já fraco.

Procuro, numa busca incessante, palavras novas para inserir nos meus longos desabafos, tantas vezes incooerentes, sem lógica visível, apenas pequenos pontos vagueantes no papel, que se conjugam numa dança de harmonia. E há tantas palavras que me perco no meio delas. Tantas sílabas, letras, ditongos, que nascem em todo lado, numa presença universal e víscera. Nascem no inesperado momento, no barulho ensurdecedor ou no mais esmagador silêncio. Palavras livres e transparentes, palavras de mel ou de cal, florescidas no mel invisível que une corpos de amantes, feitos um só ser. Palavras pintadas em aguarelas de mil cores, ou na escuridão de uma pintura negra e fechada em si mesma. Reconheço-me em todas elas, nasço e renasço no seu som. Nas mais livres e espontâneas pinto os meus ideais vincados, os meus sonhos e quimeras, enquanto que nas mais recolhidas e acorrentadas revejo o meu coração enclausurado e sanguinolento. Nas palavras mais doces e de mel, visualizo a minha infância ágil e feliz, enquanto nas amargas choro o sabor cruo das ilusões despedaçadas, da dor pesada e incessante de uma despedida.

Vão escorregando, assim, no papel, estas palavras. Talvez melancólicas no seu sentido, extensas na forma e indefiníveis no imenso valor. São minhas, como pequenos tesouros que guardo num imensurável baú. Vou agora, ler-me. Entregar ao papel a imensidão de sensações que me arrebatam. Porque, na realidade, é no papel que elas voam, livres, proliferando um imenso e eterno eco.

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